Ao longo dos anos em que tenho me dedicado a difundir o
Southern Rock pelo Brasil, me deparei com diversos textos que tentavam explicar
o que é o Southern Rock, porém sempre esbarrava em um detalhe: os textos sempre
eram superficiais. Tudo mudou em agosto de 2011, ano em que tomei conhecimento
da tese "Southern Rock music as a cultural form" escrita por Brandon
P. Keith em 2009.
Essa tese foi apresentada em 2009 como cumprimento parcial
dos requisitos para o grau de Master of Arts do Departamento de Estudos
Americanos da Academia de Artes e Ciências da University of South Florida.
Aos poucos, vou reproduzindo a história deste estilo de
musica a qual sou fã. E quero que você, meu aluno também conheça esse ramo do
rock and roll que é tão apaixonante.
Introdução
As bandas de Southern Rock dos anos 70 eram uma formação cultural
que apresentava pontos de vista racial e politicamente progressivos, no Sul
pós-direitos civis, através da forma cultural da música Southern Rock. Bandas
de Southern Rock, como Allman Brothers Band e Lynyrd Skynyrd, reagiam às
mudanças sociais e políticas no Sul, trazidas pelo movimento dos direitos
civis, conciliando o orgulho da herança do sul com visões raciais progressivas,
através de suas músicas.
O Southern Rock, então, é um paradoxo entre dois modos de
identidade sulista. Por um lado, os músicos do Southern Rock expressavam
abertamente o orgulho da sua herança e identidade sulista, através de suas
músicas. Mas por outro lado, eles demonstravam visões racialmente tolerantes e
politicamente liberais, as quais eram contrárias ao que podem ser consideradas
visões tradicionais e conservadoras do sul, que incluíam preconceito e
intolerância racial. A tensão criada nesse paradoxo é evidente na música, como
também na política, do Southern Rock.
A música Southern Rock era tanto o reflexo de, como também
uma resposta à mudança do estilo de vida dos sulinos, resultado do movimento
dos direitos civis. A mudança política e cultural que ocorreu com o movimento
dos direitos civis forçou muitas pessoas do sul a reavaliar tradições e
identidades regionais. Embora muitos sulistas tivessem um forte sentimento de
orgulho regional, o movimento dos direitos civis expôs muitas das
características desfavoráveis do Sul, e os forçou a reavaliar o que significava
ser um “sulista”. Enquanto o povo do sul reexaminava suas identidades sulistas,
as bandas de Southern Rock surgiam e ofereciam uma maneira de “abraçar” o
orgulho sulista, rejeitando as tradicionais visões racistas, através da forma
cultural de música.
Diferente de outros estilos de música popular, como o Blues
ou o Jazz, o Southern Rock não enfrentou um grande número de críticas. Foi
apenas há poucos anos que acadêmicos deram uma nova olhada na música Southern
Rock, com o objetivo de explorar seus significados e contribuições históricas.
Alguns críticos, como J. Michael Butler exploraram os aspectos religiosos do
Southern Rock, enquanto outros críticos, como Thad A. Burkhart, Ted Ownby, e
Jason Eastman, analisaram a tradição e identidade branca masculina do Southern
Rock. Ainda, outros críticos como C. Kirk Hutson, “estudaram” o Southern Rock
no quadro mais amplo da evolução da música popular. Les Black fala da questão
da raça na música do Southern Rock no seu maior trabalho, que trata de música
“negra” e como ela se desenvolveu no mundo “racista” da cultura branca. Poucas
pesquisas foram completadas com respeito aos aspectos políticos e raciais do
Southern Rock, que é o que eu pretendo focar nessa tese.
A identidade masculina branca sulista, contudo, tem
interessado aos acadêmicos e escritores através do século 20. Ao se considerar
a imagem do homem sulista, é importante ter em mente W. J. Cash, um escritor e
etnógrafo sulista do início do século 20. No seu livro de 1941, "A Mente
do Sul", ele discute várias características do homem sulista, e descreve
um estereótipo que ele chama de “helluva fella” (um grande cara). O “grande cara” de Cash foi amplamente removido
da modernidade do começo do século 20, e era independente, trabalhador,
bebedor, simples, mas pronto para lutar em todas as horas. Mais recentemente,
acadêmicos contemporâneos examinaram a identidade masculina sulista. Ted Ownby
trabalha na descrição de Cash, acrescentando outras características que ele diz
se aplicarem à imagem de um homem sulista no gênero Southern Rock. Ownby
defende que tais características dizem respeito às diferenças entre os homens
brancos sulistas e mulheres e negros. Em primeiro lugar, ele argumenta que os
homens brancos sulistas batalham para ser independentes e não contam com os
outros porque isso os colocaria na posição de escravos, mulheres, ou homens sem
caráter. Em segundo lugar, os homens brancos sulistas vivem com honra e possuem
desejo de se afirmar dentro de suas comunidades, e são extremamente suscetíveis
a desafios. O conceito de cavalheirismo é importante nesse sentido, pois os
homens brancos sulistas o vêem como sua tarefa de proteger as mulheres. Em
terceiro lugar, Ownby afirma que uma característica inerente ao homem sulista
do gênero Southern Rock é o racismo. Ele argumenta que homens brancos possuem
há muito tempo o desejo de ter controle e poder sobre os homens e mulheres
negros. Finalmente, Ownby vê o conceito do “grande cara” de Cash adequado para
o homem branco sulista no Southern Rock, especialmente a ideia de que a
violência é frequentemente necessária.
Embora eu concorde que a imagem do homem sulista tenha,
tradicionalmente, incluída muitas dessas características, eu rejeito a
afirmação de Ownby de que o racismo se aplica à imagem do homem sulista no
Southern Rock. Na verdade, nessa tese, eu defenderei que o movimento Southern
Rock foi uma formação cultural que procurou transpor a fenda racial e redefinir
a identidade masculina sulista para qualidades racial e politicamente
progressivas. Tendo vivido e crescido no Sul durante a era dos Direitos Civis,
os músicos do Southern Rock tiveram um papel importante em confrontar e
reconciliar essas importantes questões, tão pessoais e amargas para todos os sulistas.
Como uma formação cultural, os músicos do Southern Rock tentaram alcançar isso
através da música.
Embora o Lynyrd Skynyrd e Allman Brothers Band sejam talvez
as bandas mais conhecidas do Southern Rock, elas foram apenas as precursoras em
um gênero no qual originaram diversas outras bandas que seguiram seus passos.
Essas bandas expressavam o orgulho sulista enfatizando suas identidades
regionais, demonstravam tolerância racial, e viviam o estilo de vida de
roqueiros barulhentos e rebeldes. Bandas como Marshall Tucker Band, The Outlaws, Charlie Daniels Band,
Blackfoot, Molly Hatchet, Black Oak Arkansas, Wet Willie e 38 Special, podem
ser todas descritas como bandas de Southern Rock. Ao mesmo tempo em que
o Southern Rock é um paradoxo, ele é também um híbrido musical, como pode ser
exemplificado na classificação multi-gênero de algumas bandas. Esse conceito
também será discutido mais tarde, nesta tese.
Consideradas as precursoras do gênero Southern Rock, as
bandas mais focadas nesta tese serão Lynyrd Skynyrd e Allman Brothers Band, com
a discussão suplementar de outras bandas de Southern Rock, quando for
relevante. Essa tese combina três interesses pessoais: política, história e
música. Baseada em entrevistas com músicos do Southern Rock, crítica acadêmica
da literatura existente no assunto, informações biográficas, e análise da
música, essa tese explora as relações entre raça, política, e o Southern Rock.
A música Southern Rock é inerentemente política no fato de que ela confronta
questões sociais e raciais. Em um contexto mais literal, o Southern Rock é
político, já que o Allman Brothers Band, o Lynyrd Skynyrd, e o Marshall Tucker
Band fizeram campanha em favor do conterrâneo sulista Jimmy Carter, durante a
eleição presidencial de 1976.