Jimmy estava morrendo e Jerusalem Jones não sabia o que fazer. Aparentemente ele não estava ferido. Os dois estavam bebendo tranquilamente, naquele saloon vazio, quando Cranston caiu e começou a ter convulsões. Jerusalem tentava segurá-lo, mas as convulsões eram violentas demais. Até que pararam de repente e ele ficou gelado e sua respiração começou a diminuir. Parecia impossóvel, mas o "mago" estava morrendo, ali, diante de seus olhos. Sem saber o que fazer, Jerusalem sentiu um arrepio na espinha. Achou ser por causa da situação, mas não era. O tempo parou e sentiu a presença de alguém atrás dele. Quando se virou, havia um anjo, que se apoiava em uma longa espada flamejante. Olhava para eles com olhos serenos, mas acusadores. Calmamente o anjo - ou aquilo que parecia um anjo - disse:
- É um tumor no cérebro. Ele vai morrer em poucos minutos.
Confuso, e sentindo como se estivesse vivendo mais um sonho bizarro, Jerusalem Jones disse:
- Vai levá-lo para o céu? Me parece estranho que o Jimmy aqui mereça o céu. Mas, quem sou eu para reclamar.
O anjo deu um sorriso sarcástico e disse, como se fosse um favor responder a ele:
- James Cranston não vai a lugar algum. Nem céu, nem inferno. Já causou tantos problemas para os dois lados, que foi decidido eliminá-lo de vez da existência. Acordos feitos anteriormente ditavam que só era possível fazer isso após sua morte. Assim que ele morrer, eu deceparei sua alma da existência. Sempre há destinos piores do que morrer, Jerusalem Jones. Acho que você já sabe disso.
De repente, Jimmy sugou o ar uma última vez e morreu.
***
Jones e Cranston se conheceram em uma mesa de pôquer. JJ perdeu tudo que tinha para o inglês ruivo, que fumava mais do que todos na mesa. Claro, todos na mesa também perderam tudo para o inglesinho empedernido. O que Jones não entendia é que era um caso evidente de trapaça, mas nem ele, nem os outros jogadores se sentiam impelidos a acabar com aquilo. Apenas jogavam, vez após vez, e perdiam do mesmo modo.
Jones via que Cranston jogava sempre mexendo os lábios, como se conversasse consigo mesmo. Coisa até normal, já que jogadores sempre tinham algum tique estranho. Porém,aquilo o irritava mais do que tudo. Mas, novamente, ele não conseguia dizer ou fazer nada. Apenas jogar e perder.
Quando já estava perto de sair do jogo, por falta de dinheiro, a cicatriz em seu pescoço começou a coçar. E ele detestava quando aquilo acontecia. A cicatriz costumava coçar quando algo estava errado ou algo muito ruim estava prestes a acontecer. Para quem não sabe, JJ ganhou sua cicatriz quando foi mordido por uma morta-viva. Salvou-se de se tornar um deles, quando um amigo índio o levou até sua aldeia e o feiticeiro impediu sua transformação. Mesmo com alguma sequelas, Jones sobreviveu, ganhando essa terrível cicatriz no pescoço.
Pois, quando a cicatriz coçou mais forte, ele se sentiu desligado do que quer que fosse que estivesse acontecendo ali na mesa, se levantou e deu um soco na cara de Cranston e gritou:
- TRAPACEIRO, DSGRAÇADO!
Os outros não entenderam o que estava acontecendo. Jones se atracou com o inglês e a briga teria durado mais se ninguém os tivesse separado. Mais tarde, já mais calmos, os dois estavam no balcão, bebendo, quando Cranston perguntou:
- Como você conseguiu?
- Consegui o quê, inglesinho de merda?
Cranston entendeu que Jerusalem Jones não sabia o que havia feito. Mas resolveu explicar assim mesmo. Ele foi com a cara do pistoleiro com a cicatriz esquisita no pescoço. Disse que aprendera alguns truques, com um velho mago barbudo, de Northampton, na Inglaterra, e que às vezes - muitas vezes na verdade - usava-os para proveito próprio. Sem contar as vezes que se metia em confusões com os demônios que sem querer invocava quando tentava conseguir dinheiro fácil. O fato é que as pessoas na mesa estavam sob um desses feitiços que aprendera. Era um bem simples: desviava o foco de sua pessoa, para qualquer outra coisa, e nada do que ele fizesse pareceria importante ou errado. Mas, Jones conseguira sair do feitiço por tempo suficiente para entender que algo errado estava acontecendo. E Cranston o respeitava por isso.
- Acho que foi a cicatriz. É a única explicação que encontro. - JJ explicou como a ganhara e como escapara de um destino terrível. Cranston ficou admirado.
Cranston devolveu parte do dinheiro de Jones. A partir de então os dois se tornaram grandes amigos, com JJ sempre chamando-o de "mago", o que Craston sentia ser de forma debochada, mas não se importava. O pistoleiro já tinha vivido coisas estranhas o suficiente para saber que ele não estava mentindo.
Quando se encontravam, de tempos em tempos, cada um contava suas mais recentes aventuras. Em uma verdadeira competição de egos, cada um queria mostrar que sua vida era permeada por coisas mais bizarras possíveis, quer dizer, impossíveis. Estranhamente, nada acontecia quando os dois estavam juntos. Nenhum demônio, nenhuma aparição, nada. Pelo menos, não até aquela fatídica noite.
Cranston e Jones se encontraram por acaso, como quase sempre acontecia e estavam no saloon, bebendo. Cranston estava contando uma de suas aventuras:
- E o demônio ia destruir a cidade inteira. Segurava o menino, filho dos Denvers. Ia usá-lo como um portal para trazer sua Legião, ou algo assim. Eu finquei a cruz bizantina no chão e invoquei forças desconhecidas até para o demônio. O chão rachou em direção a ele e o desgraçado foi rasgado ao meio. Meu erro de cálculo foi não entender que o garotinho também morreria junto. A senhora Denver, ela avançou sobre mim com a força de mil demônios. Eu havia salvo a cidade, mesmo que meu interesse maior fosse me salvar, já que o demônio estava no meu encalço. Mas ela não se importava com quantas vidas eu acabara de salvar. Eu não sei de onde os Denvers eram. Pareciam descendentes de ciganos, ou coisa parecida. Só sei que a mulher agarrou minha cabeça com toda força e proferiu uma maldição:
"O mal que representas crescerá dentro de teus pensamentos. Tua morte virá ao teu encontro, quando menos esperar. O tumor que você é, é o que te matará. E o anjo golpeador de ti nos livrará."
- Depois disso, ela simplesmente voltou a si, e foi embora com o marido, como se nada tivesse acontecido. O senhor Denvers pegou o corpo do garoto e os dois se foram, abandonando a casa, a cidade. Fui até o lugar onde o demônio estava antes de ser rasgado e desaparecer da existência. Uma marca preta havia ficado no chão. Toquei o lugar tentando sentir a alma do moleque, mas eu não conseguia. Não estava em lugar nenhum. Era como se seu espírito tivesse sido eliminado da existência. Um botão da camisa do menino ficou para trás e eu guardei. Talvez na esperança de um dia sentir sua presença.
"Na maior parte do tempo eu não pensava no garoto. Até que as dores de cabeça começaram. Eram fortes, me deixavam desorientatado, e a maldição da senhora Denvers me vinha à cabeça. Tive a certeza que havia algo crescendo em minha cabeça. Creio que vou morrer em breve , JJ."
Foi quando Cranston segurou o braço de Jerusalem Jones e caiu sofrendo convulsões e o tal anjo apareceu.
***
- É chegado o momento, Cranston - dizia o anjo para o inerte mago, desfalecido no chão.
Levantando sua espada flamejante ele se preparava para golpear algo acima do corpo de Cranston, sua alma, talvez. Foi quando um botão de camisa caiu do bolso de Cranston. Jones o pegou e o sentiu quente, quase em brasa, mas não o largou. De repente, tudo ficou escuro e clareou, mas os olhos de Jones não eram mais seus, nem mesmo sua voz. Ele abriu a boca e falou com uma voz de menino:
- A maldição foi feita na hora da dor e da incompreensão. Não há autoridade aqui, nem sua, nem de teu Senhor. Acima de todos está quem os criou, deuses e demônios. É de onde voltei apenas para retirar a sentença. Volte para a direita de quem te enviou. Este homem, na sua arrogância, salvou mais vidas do que retirou. Quem decide o que é bom? Quem designa o que é mal? O tempo expira para ti, anjo. Expira.
JJ abriu e a mão e o pequeno botão voou na direção do anjo e se instalou entre seus olhos. Sua espada se apagou e seu grito ecoou por toda a cidade, mas apenas JJ o escutou. Um brilho intenso se transformou em escuridão e o anjo despareceu, deixando um vácuo em seu lugar que durou um segundo. Cranston tossiu e acordou.
- J-Jones, eu sabia que seria vantajoso me tornar seu amigo logo após seu primeiro soco. - E os dois caíram na gargalhada.
- É um tumor no cérebro. Ele vai morrer em poucos minutos.
Confuso, e sentindo como se estivesse vivendo mais um sonho bizarro, Jerusalem Jones disse:
- Vai levá-lo para o céu? Me parece estranho que o Jimmy aqui mereça o céu. Mas, quem sou eu para reclamar.
O anjo deu um sorriso sarcástico e disse, como se fosse um favor responder a ele:
- James Cranston não vai a lugar algum. Nem céu, nem inferno. Já causou tantos problemas para os dois lados, que foi decidido eliminá-lo de vez da existência. Acordos feitos anteriormente ditavam que só era possível fazer isso após sua morte. Assim que ele morrer, eu deceparei sua alma da existência. Sempre há destinos piores do que morrer, Jerusalem Jones. Acho que você já sabe disso.
De repente, Jimmy sugou o ar uma última vez e morreu.
***
Jones e Cranston se conheceram em uma mesa de pôquer. JJ perdeu tudo que tinha para o inglês ruivo, que fumava mais do que todos na mesa. Claro, todos na mesa também perderam tudo para o inglesinho empedernido. O que Jones não entendia é que era um caso evidente de trapaça, mas nem ele, nem os outros jogadores se sentiam impelidos a acabar com aquilo. Apenas jogavam, vez após vez, e perdiam do mesmo modo.
Jones via que Cranston jogava sempre mexendo os lábios, como se conversasse consigo mesmo. Coisa até normal, já que jogadores sempre tinham algum tique estranho. Porém,aquilo o irritava mais do que tudo. Mas, novamente, ele não conseguia dizer ou fazer nada. Apenas jogar e perder.
Quando já estava perto de sair do jogo, por falta de dinheiro, a cicatriz em seu pescoço começou a coçar. E ele detestava quando aquilo acontecia. A cicatriz costumava coçar quando algo estava errado ou algo muito ruim estava prestes a acontecer. Para quem não sabe, JJ ganhou sua cicatriz quando foi mordido por uma morta-viva. Salvou-se de se tornar um deles, quando um amigo índio o levou até sua aldeia e o feiticeiro impediu sua transformação. Mesmo com alguma sequelas, Jones sobreviveu, ganhando essa terrível cicatriz no pescoço.
Pois, quando a cicatriz coçou mais forte, ele se sentiu desligado do que quer que fosse que estivesse acontecendo ali na mesa, se levantou e deu um soco na cara de Cranston e gritou:
- TRAPACEIRO, DSGRAÇADO!
Os outros não entenderam o que estava acontecendo. Jones se atracou com o inglês e a briga teria durado mais se ninguém os tivesse separado. Mais tarde, já mais calmos, os dois estavam no balcão, bebendo, quando Cranston perguntou:
- Como você conseguiu?
- Consegui o quê, inglesinho de merda?
Cranston entendeu que Jerusalem Jones não sabia o que havia feito. Mas resolveu explicar assim mesmo. Ele foi com a cara do pistoleiro com a cicatriz esquisita no pescoço. Disse que aprendera alguns truques, com um velho mago barbudo, de Northampton, na Inglaterra, e que às vezes - muitas vezes na verdade - usava-os para proveito próprio. Sem contar as vezes que se metia em confusões com os demônios que sem querer invocava quando tentava conseguir dinheiro fácil. O fato é que as pessoas na mesa estavam sob um desses feitiços que aprendera. Era um bem simples: desviava o foco de sua pessoa, para qualquer outra coisa, e nada do que ele fizesse pareceria importante ou errado. Mas, Jones conseguira sair do feitiço por tempo suficiente para entender que algo errado estava acontecendo. E Cranston o respeitava por isso.
- Acho que foi a cicatriz. É a única explicação que encontro. - JJ explicou como a ganhara e como escapara de um destino terrível. Cranston ficou admirado.
Cranston devolveu parte do dinheiro de Jones. A partir de então os dois se tornaram grandes amigos, com JJ sempre chamando-o de "mago", o que Craston sentia ser de forma debochada, mas não se importava. O pistoleiro já tinha vivido coisas estranhas o suficiente para saber que ele não estava mentindo.
Quando se encontravam, de tempos em tempos, cada um contava suas mais recentes aventuras. Em uma verdadeira competição de egos, cada um queria mostrar que sua vida era permeada por coisas mais bizarras possíveis, quer dizer, impossíveis. Estranhamente, nada acontecia quando os dois estavam juntos. Nenhum demônio, nenhuma aparição, nada. Pelo menos, não até aquela fatídica noite.
Cranston e Jones se encontraram por acaso, como quase sempre acontecia e estavam no saloon, bebendo. Cranston estava contando uma de suas aventuras:
- E o demônio ia destruir a cidade inteira. Segurava o menino, filho dos Denvers. Ia usá-lo como um portal para trazer sua Legião, ou algo assim. Eu finquei a cruz bizantina no chão e invoquei forças desconhecidas até para o demônio. O chão rachou em direção a ele e o desgraçado foi rasgado ao meio. Meu erro de cálculo foi não entender que o garotinho também morreria junto. A senhora Denver, ela avançou sobre mim com a força de mil demônios. Eu havia salvo a cidade, mesmo que meu interesse maior fosse me salvar, já que o demônio estava no meu encalço. Mas ela não se importava com quantas vidas eu acabara de salvar. Eu não sei de onde os Denvers eram. Pareciam descendentes de ciganos, ou coisa parecida. Só sei que a mulher agarrou minha cabeça com toda força e proferiu uma maldição:
"O mal que representas crescerá dentro de teus pensamentos. Tua morte virá ao teu encontro, quando menos esperar. O tumor que você é, é o que te matará. E o anjo golpeador de ti nos livrará."
- Depois disso, ela simplesmente voltou a si, e foi embora com o marido, como se nada tivesse acontecido. O senhor Denvers pegou o corpo do garoto e os dois se foram, abandonando a casa, a cidade. Fui até o lugar onde o demônio estava antes de ser rasgado e desaparecer da existência. Uma marca preta havia ficado no chão. Toquei o lugar tentando sentir a alma do moleque, mas eu não conseguia. Não estava em lugar nenhum. Era como se seu espírito tivesse sido eliminado da existência. Um botão da camisa do menino ficou para trás e eu guardei. Talvez na esperança de um dia sentir sua presença.
"Na maior parte do tempo eu não pensava no garoto. Até que as dores de cabeça começaram. Eram fortes, me deixavam desorientatado, e a maldição da senhora Denvers me vinha à cabeça. Tive a certeza que havia algo crescendo em minha cabeça. Creio que vou morrer em breve , JJ."
Foi quando Cranston segurou o braço de Jerusalem Jones e caiu sofrendo convulsões e o tal anjo apareceu.
***
- É chegado o momento, Cranston - dizia o anjo para o inerte mago, desfalecido no chão.
Levantando sua espada flamejante ele se preparava para golpear algo acima do corpo de Cranston, sua alma, talvez. Foi quando um botão de camisa caiu do bolso de Cranston. Jones o pegou e o sentiu quente, quase em brasa, mas não o largou. De repente, tudo ficou escuro e clareou, mas os olhos de Jones não eram mais seus, nem mesmo sua voz. Ele abriu a boca e falou com uma voz de menino:
- A maldição foi feita na hora da dor e da incompreensão. Não há autoridade aqui, nem sua, nem de teu Senhor. Acima de todos está quem os criou, deuses e demônios. É de onde voltei apenas para retirar a sentença. Volte para a direita de quem te enviou. Este homem, na sua arrogância, salvou mais vidas do que retirou. Quem decide o que é bom? Quem designa o que é mal? O tempo expira para ti, anjo. Expira.
JJ abriu e a mão e o pequeno botão voou na direção do anjo e se instalou entre seus olhos. Sua espada se apagou e seu grito ecoou por toda a cidade, mas apenas JJ o escutou. Um brilho intenso se transformou em escuridão e o anjo despareceu, deixando um vácuo em seu lugar que durou um segundo. Cranston tossiu e acordou.
- J-Jones, eu sabia que seria vantajoso me tornar seu amigo logo após seu primeiro soco. - E os dois caíram na gargalhada.
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