20/12/2014



JERUSALEM JONES: FUGA NO SÉCULO 19Um Conto de Ficção-Científica no Velho Oeste

Os moradores de Smithson Town mal podem acreditar em seus olhos quando vêem um cavalo se aproximar, com um garoto inconsciente sobre ele. De repente, o garoto é erguido no ar, e flutua na direção da entrada do pequeno hospital da cidade. Todos olham aquilo, boquiabertos. Porém, antes que atravesse a porta do hospital, o garoto flutuante cai. Os que não correram, com medo, podem ver algo mais estranho ainda acontecer: aos poucos, o corpo de um homem começa a aparecer junto ao garoto. Quando está totalmente visível, alguém grita:

- Pelas barbas do profeta! É Jerusalem Jones!
Tudo começou quando eu resolvi dar uma de entregador e babá. Um garoto ia chegar em Smithson Town, vindo de algum lugar da Inglaterra. Seus pais telegrafaram para o prefeito e pediram que ele cuidasse para que o menino chegasse até o tio, dono de uma fazenda mais distante, nos arredores da cidade. A família Wells pedia que ele encontrasse alguém de confiança que o levasse. O retorno parece que ficaria a cargo do tal tio:

- Jerusalem Jones, não é que você seja de minha inteira confiança, é apenas o fato de que sei que quando você se compromete a fazer alguma coisa o faz, ou morre tentando. O Dr. Jack Griffin é um tio-avô do menino Herbert e a família Wells quer que ele passe uma semana com o doutor meio amalucado. Como não tenho ninguém disponível, já que o xerife não ia aceitar ser rebaixado a babá e nem admite que seus ajudantes o façam, eu queria aproveitar que você está indo naquela direção e oferecer uns trocados para que deixe o garoto na fazenda Griffin. Tudo bem?

- Claro, claro. Jersusalem Jones aceita ser feito de qualquer coisa, por um punhado de moedas. Brincadeira, prefeito. Gosto do senhor, e farei este favor. Claro, sem dispensar o pagamento simbólico. Ando precisando. Cadê o garoto?

Como que por mágica, aparece o menino arrastando uma mala maior do que ele. Tem uma cara engraçada, de quem está sempre pensando em alguma coisa inteligente para dizer.

- Eu vou ser escritor, senhor.

- É Jerusalem Jones. Ou senhor Jones. Ou J.J. Tanto faz. E sim, não duvido que vá ser escritor. Mas não agora, com esses míseros 10 anos.

- Como conseguiu essa cicatriz no pescoço, senhor?

- Ah, nem te conto. Isso daria um livro, e dos bons. Como vamos ficar juntos um tempo, eu te conto sim, mas cortarei as partes vergonhosas. - o garoto riu e montou em seu cavalo. Ele não cavalgava, mas eu conseguiria guiá-lo. A mala eu dei um jeito de arrumar no Irving. E, para quem não sabe, Irving é o meu cavalo velho de guerra.

Depois de muito bate papo e de eu me dar conta, assustado, de que eu tinha jeito com crianças, chegamos aos arredores da Fazenda Griffin. Eu só precisava entregar o garoto e seguir o meu caminho. O dinheiro era pouco, mas o trabalho também era, então eu saí ganhando.

Chegamos à casa principal, subimos os degraus da varanda e, quando vou bater na porta, um grito terrível vem de dentro da casa. Sem pensar - coisa da qual sempre me arrependo - eu jogo meu corpo contra a porta, e caio dentro da casa como um saco de batatas. A porta só estava encostada. Faço sinal para o garoto ficar do lado de fora. A casa é grande, não sei de onde veio o grito. Mas, logo a dúvida acaba assim que outro grito corta o silêncio. Vem de debaixo da casa. Deve ser o porão.

Procuro a porta que dê para baixo até que a encontro. Quando a abro, me deparo com uma cena completamente sem pé nem cabeça: o que deduzo ser Griffin está sendo atacado por três pessoas ou... animais. Pessoas-animais. Não sei o que são, mas não são amigáveis. Eles deixam o ferido Griffin de lado quando me veem. Quando me viro pra correr, trombo com o garoto. Os bichos vão me alcançar:

- Falei pra você ficar lá fora, garoto! Corre. - Os bichos já estão subindo as escadas. Gritam algo estranho para mim.

- MOREAU! MOREAU! MOREAU!

-Não sei quem eles pensam que sou, mas não sou o tal "Morrô" a quem parecem odiar. O garoto dispara pela porta. É quando o que tem cabeça de tigre me alcança primeiro. Estranhamente eu queria evitar isso. Acho que criaturas tão... diferentes, não deveriam morrer assim. Mas preciso sobreviver. Saco os revólveres e atiro no Cabeça de Tigre, depois no que parece um leão e na terceira, sim, parece uma fêmea, uma raposa ou algo parecido. Felizmente não são a prova de bala.

Volto ao porão. O garoto é teimoso e vem atrás. Desisto de mandá-lo embora. Creio que o pior já passou. Griffin está no chão. Ele está muito ferido, não vai sobreviver. Mas, a coisa toda é mais bizarra ainda. Sua mão direita sumiu e uma parte do rosto também. Mas, não foi arrancado pelas pessoas-animais. Simplesmente sumiu. Ele só tem metade do rosto. Que coisa estranha. O garoto parece fascinado com aquilo tudo.

- Cof...cof... Moreau disse... disse que eles eram confiáveis. Eu os prendi... mas fui... fui... negligente. Maldito Moreau. Tentei... usar o soro... para escapar. mas era tarde demais. Herbert? O garoto Wells? Meu sobrinho? Eu não esperarava recebê-lo assim... cof... me ajudem. Podemos consertar tudo se formos pra máquina. Mas eu não posso ir. Você... quem é você?

- Hã... Jerusalem Jones.... Mas eu não sei o que...

- Você precisa entrar na máquina e voltar no tempo. Impedir que eles se soltem. Impedir que eu...

- Ele está morto, J.J.?

- Ah, de repente esqueceu de me chamar de senhor. Sim, está morto. E delirando muito, antes disso. Se bem, que nem posso dizer que era delírio. Temos três provas lá em cima de que as coisas aqui andavam meio fora de controle. Vamos embora, garoto. Vou te levar para o prefeito.

- Mas, e a máquina. Você pode fazer o que ele pediu. Voltar no tempo, salvá-lo.

- Mas nem me pagando. Se realmente existe uma máquina para voltar no tempo, com certeza só iria piorar as coisas.

- Deve ser essa aqui. -diz o garoto abrindo uma cortina.

- Rapaz, você consegue ser irritante quando quer.

Olhei a tal máquina de longe. Parecia uma cadeira com um prato em pé atrás dela. Havia uma alavanca com um cabo de vidro, redondo. Cheguei mais perto e vi vários números do lado da alavanca. Horas, dias, meses, anos. Mesmo não sendo muito inteligente, entendi como funcionava. Se eu fosse para uma ou duas horas atrás, poderia salvar o cientista maluco. Supondo-se que aquela coisa funcionasse. Ela também poderia simplesmente não fazer nada ou explodir, levando a mim e ao garoto para o inferno. A maldita curiosidade me coçava. Até a cicatriz parecia ter começado a pulsar.

- Tá bom, tá bom. Vou te mostrar que isso não funciona, e aí vamos embora. - Eu disse, já sentando na tal máquina. Eu estava suando frio. Quando ia colocar a alavanca para 2 horas atrás, o garoto pulou para meu lado.

- Mas, eu também quero ir.

Foi uma desgraça. Ele esbarrou em mim e eu empurrei a alavanca para frente, em vez de para trás. Muito para frente. O prato gigante da máquina começou a girar e ela trepidava muito. Nem conseguia parar pra dar uns tapas no garoto, já que eu estava me cagando de medo. Tudo na nossa frente foi mudando, numa velocidade incrível. A fazenda se desfez, casas foram construídas, depois edifícios gigantes, e eles se desfizeram. Era o tempo passando. Quando desacelerou, a coisa não melhorou em nada.

A alavanca marcava 230 anos a frente. O céu estava negro. Bolas de fogo caíam dele. Mas, isso não era o pior. Grandes máquinas, do tamanho dos edifícios que vimos antes, andavam sobre três pernas imensas. De onde estávamos víamos a destruição. Elas atiravam nas pessoas que fugiam apavorada. Ou as capturavam. A maioria já estava morta. Um homem vinha em nossa direção. Trazia uma garota no colo, sua filha talvez:

- São marcianos. São malditos marcianos! Corram vocês dois. Não estamos com tempo para festas a fantasia. Fujam conosco. - e foi embora com a menina.

- Herbie, acho melhor sairmos daqui logo. Vou colocar a alavanca de volta ao zero. Deve ser o ponto de onde saímos. Depois pensamos melhor em como salvar seu tio, e se isso vale a pena. Aquelas coisas não estão tão longe, melhor nos apre... - um dos disparos veio em nossa direção, e acionei a máquina ao mesmo tempo.

Seja lá o que aconteceu, não foi algo bom. A máquina reverteu o tempo. Nos mandou de volta. Mas estava danificada, e fumegando. Tentamos correr, mas não deu tempo. Ela explodiu. Só deu tempo de eu me colocar atrás do garoto e tentar protegê-lo. Sei lá porque fiz isso. O fato é que fui atingido por grande parte da explosão que nos jogou longe.

Acordei muito depois. O laboratório no porão já era. Estava em pedaços. Mas, a casa parece ter aguentando o tranco. Devia ser reforçada para o caso desse tipo de coisa. Eu tinha sede. Minha garganta parecia cheia de areia. Devo ter ficado desacordado muito tempo, e o garoto ainda estava apagado. Eu tinha de levá-lo para a cidade, para um hospital. Mas eu precisava de água. Ou de uma bebida.

Uma dessas garrafinhas de uísque saía do bolso do Griffin. Ele estava soterrado. Mas a garrafa estava intacta. Retirei a tampa e bebi o pouco que tinha. Que era bem pouco mesmo. E não tinha gosto de uísque. Mas era bom, aquele troço.

Peguei o garoto nos braços e o levei até o Irving, que bebia sua água tranquilo, como se nada tivesse acontecido. Às vezes penso que esse cavalo não bate bem da cabeça. Coloquei o garoto sobre a cela, deitado de barriga. Estava vivo, mas não acordava. Tinha um galo feio na cabeça. Eu não estava muito bem, mas tinha de levá-lo logo.

Eu estava olhando aqueles bichos-pessoas mortos na sala, e em Griffin soterrado pelo seu laboratório, e pensei em como o xerife ia lidar com tudo isso. Foi quando a casa desmoronou e começou a incendiar e a afundar. Parecia algo proposital, como se o doido do Griffin tivesse planejado assim.

Eu já estava a meio caminho da cidade, quando começou um formigamento pelo meu corpo. Em seguida começou a me queimar. Eu desci do cavalo. Estava apavorado. A roupa parecia fazer meu corpo arder. Arraquei tudo, e fiquei nu... ou não fiquei. Eu não via meu corpo. Eu tinha sumido. Desmaiei em seguida.

Não sei quanto tempo fiquei desacordado. Mas, quando levantei, continuava sumido. O garoto resmungou na sela. Disse algo. meio enrolado:

- Eu vou ser escritor, senhor. - e apagou de novo. Sumido ou não, eu precisava levá-lo até o hospital da cidade. Se eu ia conseguir, eram outros quinhentos. Além de estar desaparecido, a explosão também me deixara bem ferido. Acho que não morri graças a essa maldita cicatriz e ao que ela faz comigo. Mas, quem sou para reclamar. Vamos, Irving, vamos logo.

Esperava que o efeito daquele troço que bebi passasse logo. Irving leva tudo aquilo numa boa, mesmo sem me enxergar. Precisávamos chegar a Smithson Town, e eu esperava que meu corpo reaparecesse antes disso. O garoto teve uma aventura mais do que suficiente para escrever livros por uns bons anos. Mas, ninguém iria acreditar nele, então era melhor que ele se contentasse em escrever ficção.




Nenhum comentário:

Postar um comentário